Judas, um dia, foi nome. Hoje, virou adjetivo, sinônimo de ausência de
caráter. Mas Judas Iscariotes, que teria entregue Jesus aos romanos em troca de
30 moedas de prata, pode ser um injustiçado. Essa historia aparece nos quatro
evangelhos com urna ou outra variação. Para alguns estudiosos, porém, ela é uma
farsa. A maior evidência estaria nos textos de Paulo, os mais antigos entre os
do Novo Testamento, escritos por volta do ano 50 D.C. Numa passagem na Primeira
Epístola aos Coríntios, Paulo diz que, depois de ressuscitar, Jesus apareceu
para os 12 apóstolos, e não para 11: “Ele foi sepultado e, no terceiro dia, foi
ressuscitado, como está escrito nas escrituras; e apareceu a Pedro e depois aos
12 apóstolos” (Coríntios, 15:5). Ou seja, Judas estaria lá. Não teria se matado
após a famosa traição, como dizem os evangelhos. Essa epístola foi escrita pelo
menos dez anos antes de Marcos, o primeiro dos quatro.
Outro documento que defende o suposto traidor é o Evangelho apócrifo
que ficou conhecido como “Evangelho de Judas”. Uma cópia desse manuscrito foi
revelada em 2006. Pesquisadores acreditam que o texto foi escrito originalmente
por volta do século 2, já que ele foi mencionado em uma carta escrita pelo
bispo Irineu de Lyon em 178 D.C. Segundo o texto, Judas teria apenas acatado um
pedido de Jesus ao entregá-lo para as autoridades romanas. Nessa versão,
iscariotes era o apóstolo mais próximo do mestre, daí o pedido ter sido feito a
ele.
Mesmo se levarmos em conta só os evangelhos canônicos, alguns
pesquisadores acham pouco verossímeis as passagens que incriminam Judas. É o
caso de John Dominic Crossan: “Para ser sincero, eu vou e volto com essa
questão. Mesmo quando respondo afirmativamente [que Judas de fato traiu Jesus],
penso nisso como remotamente possível”, diz ele.
Durante a sua última semana de
vida, Jesus era protegido pela presença da multidão durante o dia (“Procuravam
então prendê-lo, mas temeram a multidão”, Marcos, 28:12), e se protegia ao sair
de Jerusalém e ir para Betânia, onde estava hospedado, durante a noite. Na
opinião de Crossan, as autoridades romanas não precisariam da ajuda de Judas
para encontrar Jesus: “Certamente as autoridades teriam descoberto por si
próprias o lugar exato para interceptar Jesus. Então, Judas era mesmo
necessário? Essa é minha maior objeção com a figura histórica de Judas como
traidor” . Por esse ponto de vista, o episódio da traição de Judas teria sido
criado para facilitar a conversão dos romanos ao cristianismo. Na época, parte
da população do império já começava a se converter, e não ficaria bem se a
maior parte da responsabilidade pela morte de Jesus recaísse justamente sobre
um romano, Pôncio Pilatos. É o que Chevitarese defende: “Pessoas vindas do
ambiente politeísta, principalmente das elites romanas, já estavam se
convertendo ao cristianismo por volta de 70 D.C. Por isso, os evangelhos fazem
Pilatos lavar as mãos”.
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