Todo ano, antes de avisar a Jesus Cristo que ele está aqui, Roberto
Carlos olha para o céu e vê uma nuvem branca que vai passando. O céu virou
sinônimo de paraíso, é de lá que Deus observa os nossos movimentos e é pra lá
que vai quem já morreu. Mas o jovem Jesus, quando tentava convencer seus
ouvintes a se comportarem de maneira justa, não dizia exatamente isso. O Reino
de Deus (ou Reino dos Céus) que Jesus pregava iria acontecer aqui na Terra
mesmo.
Os próprios evangelhos deixam isso claro. Em uma conversa com os
discípulos pouco antes de morrer, Jesus diz que alguns deles estarão vivos para
ver o reino de Deus chegar: “Dos que aqui estão, alguns há que de modo nenhum
provarão a morte até que vejam o Reino de Deus já chegando com poder” (Marcos,
9:1). Em outro momento, Jesus chega a afirmar que o Reino de Deus já chegou:
“Ora, depois que João foi entregue, veio Jesus para a Galiléia pregando o
evangelho de Deus; e dizendo: O tempo está cumprido, e é chegado o reino de
Deus. Arrependei-vos, e crede no evangelho” (Marcos, 1:15).
Os discípulos, portanto, acreditavam que o Reino de Deus seria
instaurado imediatamente. “No tempo de Jesus, era muito forte a esperança de
que se fosse fazer um reino nos moldes do Rei Davi, do Rei Salomão. Quando
Jesus falava em “reino”, as pessoas achavam que só podia ser um reino desse
tipo”, diz Irineu Rabuske. Mas Jesus era um profeta apocalíptico, e o que ele
defendia é que Deus faria urna intervenção em breve e daria início a um reino
de paz e justiça.
É verdade que também existem na Bíblia diversas passagens em que Jesus
fala sobre um pós-morte. Uma delas está em Lucas.É sobre um homem rico e um
mendigo que costumava pedir-lhe esmolas. Depois de morrer, o rico vai para uma
espécie de inferno, onde “atormenta na chama”. E o mendigo é consolado por Abraão.
Cristo e mais claro ainda no evangelho de João. Ele diz a Pilatos que “seu
reino não é deste mundo”.
Só que Lucas e João são textos mais recentes que Marcos. E para boa
parte dos pesquisadores, é por isso mesmo que eles dão ênfase à ideia de um
Reino do Céu no “céu”.
Essas referências, foram sendo
acrescentadas conforme o início do reino não ocorria”, diz o arqueólogo e
especialista em cristianismo Pedro Paulo Funari, da Unicamp. Ou seja: chegou um
momento em que os cristãos tiveram que lidar com o fato de que o reino de Deus
talvez não estivesse tão próximo assim. A partir daí, começou um processo de
reinterpretação. A pregação de Jesus, de que os bons seriam recompensados e os
maus punidos num julgamento que marcaria o fim de uma era no mundo, foi sendo
alterada. E o julgamento passou a acontecer no final da vida de cada um. Faz
todo o sentido: do ponto de vista argumentativo, é uma versão mais sofisticada.
Só quem já morreu pode contestá-la.
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